A prática de exercício físico pelo diabético
Publicado em 9 de novembro de 2011Texto publicado em Novembro de 2011, na coluna do Dr. Rafael Mantovani, na página da Sociedade Brasileira de Diabetes (www.diabetes.org.br).
O exercício físico tem um importante papel na prevenção e no controle da resistência à insulina, do pré-diabetes, do diabetes gestacional, do diabetes tipo 2 e das complicações relacionadas ao diabetes.
Tanto o exercício aeróbico quanto o anaeróbico melhoram a ação da insulina e podem contribuir no controle dos níveis glicêmicos, dos lípides, da pressão arterial, do risco cardiovascular e na melhora da qualidade de vida. Entretanto, o exercício físico deve ser realizado de forma regular a fim de que os benefícios sejam duradouros.
A maioria das pessoas com diabetes tipo 1 e tipo 2 pode praticar a atividade física com segurança, desde que certas precauções sejam tomadas.
Avaliação pré-exercício
Algumas situações podem contraindicar a prática de atividade física, como hipertensão arterial grave e não-controlada, neuropatia autonômica grave, neuropatia periférica grave ou história de lesões extensas no(s) pé(s), além da retinopatia diabética grave.
Antes de praticar exercícios, os indivíduos com diabetes (principalmente os sedentários) devem passar por uma avaliação médica, que incluirá a análise do controle glicêmico, o uso de medicamentos e a avaliação de limitações físicas e complicações micro e macrovasculares. Além disso, essa avaliação visa detectar outros fatores de risco, como doenças crônicas associadas ao diabetes (obesidade, dislipidemia, hipertensão etc).
Se a atividade física é monitorada, a anamnese do profissional de educação física antes do início das atividades visa identificar os pacientes de maior risco, o que pode ser ainda complementado pela antropometria e pelos testes físicos preliminares ao início das atividades.
Tipo de exercício físico
Os efeitos do exercício físico na ação da insulina variam de acordo com os parâmetros da carga de treinamento da atividade realizada e com a alimentação (prévia e subsequente).
Durante o exercício aeróbico intenso e a atividade anaeróbia, mesmo que de curta duração, há uma maior produção de glicose (pelo aumento das catecolaminas plasmáticas), resultando em hiperglicemia, que pode persistir até por 1 a 2 horas após a atividade física, podendo ser seguidos de hipoglicemias dentro de horas após o término do exercício. Atividades de baixa a moderada intensidade podem reduzir as glicemias durante (dentro de 20-60 minutos) ou após a mesma.
A combinação de exercícios aeróbicos e anaeróbicos parece ser mais efetiva sobre o controle glicêmico que a prática de cada tipo isoladamente. Os adolescentes e adultos podem se submeter a atividades que envolvam todos os grandes grupos musculares, 2 a 3 vezes por semana. É recomendável que os idosos, ou os diabéticos com deficiência física, sejam submetidos às mesmas atividades, se possível. No caso de restrição, deve-se estimular a atividade física conforme sua habilidade/capacidade.
De forma prática, os diabéticos devem, idealmente, ser submetidos a pelo menos 150 minutos por semana de atividade física aeróbica de moderada a alta intensidade, distribuídos em pelo menos 3 vezes durante a semana, com intervalo máximo de 2 dias consecutivos entre os treinos aeróbicos.
Situações especiais
É desejável que os diabéticos tipo 1 e os diabéticos tipo 2 usuários de insulina e/ou hipoglicemiantes orais que possam causar hipoglicemia* façam um exame de glicemia capilar imediatamente antes (e, se necessário, durante e depois) do exercício físico. São considerados um grupo de risco.
*Sulfoniluréias: glimepirirda, glicazida, glipizida, clorpropamida, glibenclamida; Glinidas: repaglinida, nateglinida.
Hipoglicemia
No grupo de risco, se o valor da glicemia capilar estiver abaixo de 100 mg/dL, deve haver a ingestão de aproximadamente 15g de carboidratos (por exemplo: 1 fruta média, 3 bolachas, 1 fatia de pão de forma, 1/2 pão de sal, 1 copo de suco de laranja) antes da realização do exercício físico. A quantidade de carboidratos a ser consumida pode ainda variar conforme a dose de insulina aplicada previamente, a duração e intensidade do exercício (parâmetros da carga do treinamento). Pode ainda haver necessidade de ingestão extra de carboidrato, de acordo com a monitorização glicêmica durante e após a atividade.
Em caso de história de hipoglicemia grave durante o dia (por exemplo, um evento em que foi necessária a ajuda de outras pessoas para correção glicêmica), qualquer atividade física deve ser evitada nesta data (risco de outra hipoglicemia tão grave quanto à anterior).
Se o diabético apresentar sinais/sintomas de hipoglicemia durante o exercício (mal-estar, sudorese fria, náusea, palpitação, tremores, mudança de comportamento, sonolência, perda de consciência), a glicemia capilar deve ser prontamente realizada. Constatada a hipoglicemia (ou com valores limítrofes), se o diabético estiver acordado e capaz de se alimentar, deve-se oferecer alimento contendo açúcar, como bala ou suco/refrigerante comum. O diabético deverá então monitorizar com maior frequência a glicemia capilar nas horas seguintes, pois eventos hipoglicêmicos tardios poderão acontecer.
É desejável que o diabético sempre tenha uma fonte de carboidrato simples (por ex.: bala, açúcar, glicose hipertônica), no local onde realizará a atividade, e de fácil acesso.
Se a hipoglicemia for acompanhada de perda de consciência ou convulsão, o diabético deverá ficar deitado de lado – não se deve oferecer líquidos ou alimentos (pelo risco de aspiração pulmonar) – e uma unidade do SAMU deverá ser acionada imediatamente.
Os diabéticos tipo 2 que não fazem uso de insulina ou hipoglicemiantes orais não necessitam medidas preventivas especiais relacionadas a hipoglicemia, por ser um evento raro.
Hiperglicemia
A hiperglicemia pode ser considerada quando os valores de glicemia capilar saão superiores a 200 mg/dL. Geralmente, não há sintomas associados.
Quando os diabéticos tipo 1 têm deficiência de insulina por período prolongado (12-48 horas), ainda que parcial (dose inadequada de insulina ou omissão de doses), e estão cetóticos, a prática de exercícios físicos pode piorar a hiperglicemia e a cetose. Dessa forma, na presença de cetose, a atividade física não deve ser realizada. Na ausência de fitas para dosagem de cetonemia / cetonúria, deve-se valorizar a glicemia capilar e o estado geral do diabético.
De forma prática, não é necessário suspender o exercício físico baseado apenas em hiperglicemia, se o diabético estiver sentindo-se bem e se a cetonemia/cetonúria for negativa. Caso não haja como medir-se a cetonemia/ cetonúria, pode-se ter como parâmetro o valor de glicemia de 300 mg/dL – se houver valores superiores, avaliar a suspensão da atividade programada até que a glicemia esteja entre 100 e 250 mg/dL.
Os indivíduos com diabetes tipo 2 com descontrole glicêmico, mesmo com valores de glicemia capilar acima de 300 mg/dL, geralmente não apresentam complicações com a prática de atividade aeróbica (desde que estejam sentindo-se bem e adequadamente hidratados, sem cetose).
Os diabéticos tipo 1 com valores de glicemia acima de 300 mg/dL e os diabéticos tipo 2 com hiperglicemia e mal-estar devem receber hidratação oral frequente e aplicação de insulina de ação rápida conforme recomendação médica prévia. Nos casos duvidosos ou em que o diabético encontra-se inseguro quanto à coduta a ser tomada, contato médico deverá ser realizado
Referências bibliográficas:
1. American Diabetes Association. Exercise and Type 2 Diabetes. The American College of Sports Medicine and the American Diabetes Association: joint position statement. Diabetes Care 2010; 33:e147– e167.
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3. Robertson K, Adolfsson P, Riddell M, Scheiner G, Hanas R. Exercise in children and adolescents with diabetes. Pediatric Diabetes 2009: 10 (Suppl. 12): 154–168.