Crescer não dói
Publicado em 19 de setembro de 2022Comumente recebo em meu consultório crianças saudáveis com queixas de dores em membros e pais especialmente preocupados com a situação da criança. As dores são predominantemente ao redor dos joelhos, atrás dos joelhos, na frente da perna e da coxa.
Sem nenhum outro sintoma, sem febre, sem relação alguma com traumas, sem alterações de fato visíveis na região onde a criança presta queixa, como inchaços ou vermelhidões, sem fazer a criança mancar, sem restringir as atividades do dia-a-dia, estas dores se tornam curiosas e de fato misteriosas sob o olhar dos pais e do médico.
Dores de crescimento
Mas e aí, o que fazer com essas dores? Qual a origem delas? Têm relação com doenças? Qual o médico deve ser procurado? Qual o exame mais adequado para termos certeza de que as coisa vão bem?
Várias indagações sob a visão dos pais e também do especialista que aqui escreve.
Vamos começar com uma determinação importante: “Crescer não dói.”
Por anos acusou-se o crescimento das crianças como o principal responsável por estas tais dores, mas o que tenho já bem determinado com base em tudo que já vi em revisões sobre o assunto é que não existe nenhum evidencia de que o produtor delas seja o crescimento. E digo mais; nos períodos em que a criança apresenta as maiores taxas de crescimento essas dores são ainda mais raras.
Resolvido o mito das mal nominadas “dores de crescimento”, sigo com as eventuais causas delas. Diante de uma série enorme de teorias que tentam explicar essas dores com base em estudos científicos que abordam uma grande quantidade de crianças com queixas semelhante, temos um grande caminho ainda a se percorrer para chegarmos a uma conclusão concreta.
Ansiedade, falta de vitamina D, transtorno de hiperatividade, falta de nutrientes, alterações genéticas, alterações hormonais, alterações vasculares, doenças psíquicas, fadigas musculares, cansaço. Todos estes fatores já foram estudados e descritos em alguns grupos de crianças reunidas com as tais dores. O que todos têm em comum hoje é que nenhum deles explica de forma abrangente e concreta a causa das dores de crescimento, que segue obscura entre todos nós.
Apesar disso, vou de mais uma determinação importante: “as dores de crescimento são totalmente benignas”.
Tratam-se de dores que não atrapalham o desenvolvimento da criança, não causam nenhuma incapacidade, não provocam claudicação ou dificuldade de marcha no dia-a-dia, não ocorrem durante longos períodos de tempo e não atrapalham a rotina da criança. Ocorrem com frequência após um dia ativo da criança, aparecendo predominantemente no entardecer e à noite, podendo até mesmo, por raras vezes, atrapalhar um período de uma noite de sono.
A caracterização das dores de crescimento segue muito bem descrita e determinada, o que facilita o diagnóstico delas quando matem-se um olhar categórico na avaliação da criança.
A partir daí, venho com mais uma característica importante: “as dores de crescimento são de diagnóstico de exclusão”.
Isso que dizer que outras possíveis doenças devem ser descartadas para que cheguemos confiantes no diagnóstico das dores de crescimento.
Na maioria dos casos nenhum exame é necessário para fazer o diagnóstico, mas de forma indispensável, todas estas caraterísticas devem estar presentes na criança: ausência de febre, sem inchaço, sem vermelhidão, sem cansaço, sem perda de apetite, sem perda de peso, mobilidade normal do membro, sem dor a palpação de local específico, tolerância normal para apoiar o membro, sem claudicação, períodos curtos de dores por até algumas horas, sem virar o dia com a mesma dor, entre outras características de exclusão com qualquer outra doença relacionada.
Acredito que seja muita coisa para excluir, mas nada que não seja possível com uma boa conversa em consultório e um exame clínico completa da criança.
Mas e o tratamento? Como fica a criança que tem diagnóstico das dores de crescimento?
Para isso temos mais uma série de possibilidades, mas dessa vez todas que citarei por aqui tem evidências de bons resultados. A primeira delas é acalmar e criança e observar se as dores passarão. Na maioria dos casos as dores vão embora de forma espontânea, sem que se faça nada específico para o cessar dores. Outra opção é massagear o local. Seja com pomadas, cremes, óleos de massagem ou somente as mãos mesmo, o importante é fazer a massagem. Outra possibilidade, não tão usual, é o uso de analgésicos comuns que os pais já tem acesso em casa. Claro que deve-se tomar cuidado com alergias à medicações, além da ter uma boa receita médica após avaliação pelo ortopedista, mas sabe-se que temos de fato melhora das dores com medicações.
Deixo o alerta de que todas as dores em crianças são sim importantes para uma avaliação médica, uma vez que o diagnóstico correto das dores de crescimento e até mesmo o diagnóstico de possíveis outras doenças só poderá ser feito a partir de uma avaliação profissional.
As dores de crescimento, apesar de causa desconhecida, são dores benignas, que passam com o tempo, tem características, diagnóstico e tratamento determinados e merecem uma boa avaliação sempre quando presentes. O crescimento nunca será a causa dessas eventuais dores. “Crescer não dói”.