O que fazer quando o diabético está doente

Texto publicado em 20/06/11, na coluna do Dr. Rafael Mantovani, na página da Sociedade Brasileira de Diabetes (www.diabetes.org.br).

Uma das várias preocupações de pais e mães de filhos com diabetes mellitus é saber como lidar nos dias em que seus filhos apresentam doenças ou infecções.

Antes de mais nada, é importante frisar que crianças e adolescentes diabéticos com bom controle metabólico, geralmente, não apresentam maior incidência de doenças intercorrentes em comparação aos não-diabéticos. No que concerne aos adultos com diabetes, algumas evidências mostram que os mesmos podem apresentar maior risco de infecções urinárias, além de doenças infecciosas da pele e das mucosas, porém, sem aumento de incidência de infecções de vias aéreas superiores.

De qualquer forma, todos os diabéticos estão sujeitos a apresentar várias doenças durante a vida, motivo pelo qual é imprescindível aprenderem alguns cuidados básicos para manter o controle metabólico adequado.

Várias doenças, especialmente aquelas associadas à febre, provocam o aumento da glicose no sangue, devido à elevação dos hormônios do “estresse”. Nesses casos, há maior necessidade de insulina durante os dias de doença e, muitas vezes, também no período de incubação da mesma (alguns dias antes do seu desenvolvimento). E essa maior necessidade de insulina pode se estender por alguns dias após a resolução da doença.

Já outras enfermidades, como as gastroenterites agudas, que provocam vômitos e diarréia, podem provocar a queda da glicemia e consequente maior risco de hipoglicemia. Contribuem para esse quadro a diminuição do apetite e da ingestão alimentar, associado a uma pior absorção de nutrientes.

Como princípios gerais do cuidado nos dias de doença, pode-se citar:

Nunca parar as aplicações de insulina

A interrupção do fornecimento de insulina predispõe o diabético à hiperglicemia e à produção de corpos cetônicos, aumentando o risco de cetoacidose diabética. Se o diabético apresenta um quadro de hiperglicemia persistente, associado a vômitos, com ou sem infecção, deve-se suspeitar de omissão ou administração inadequada de insulina.

As doses de insulina devem ser ajustadas conforme a situação

Deve-se aumentar a frequência da monitorização capilar da glicemia (no mínimo a cada 3-4 horas, mesmo à noite) e, eventualmente, das cetonas. Dessa forma, com correções mais frequentes da glicemia, evita-se a descompensação metabólica nos dias em que se está doente. Geralmente, as doses de insulina lenta devem ser diminuídas em 10-20% e as aplicações de insulina rápida podem ser mais frequentes. As orientações prévias do Endocrinologista devem ser seguidas e, conforme a necessidade, o contato telefônico deve ser estabelecido.

Alimentação

Com a perda do apetite, as refeições usuais podem ser substituídas por alimentos de fácil digestão e líquidos com carboidratos (podendo conter inclusive açúcar). Com o objetivo de se evitar episódios hipoglicêmicos, pode-se consumir gelatinas, frutas desidratadas, sucos naturais contendo açúcar, água de côco, bebidas isotônicas para esportistas (Gatorade®, Marathon®, Frutorade®, Powerade®, i9 Hidrotônico®, etc) e o soro de hidratação oral nas concentrações 45 ou 90 (Pedialyte®, Floralyte®, Rehidrat®, etc).

Hidratação

Nos dias em que se está doente, várias situações podem contribuir para a desidratação: hiperglicemia persistente, febre, eliminação de glicose e cetonas na urina, etc.

A hidratação é essencial nessas situações e pode ser realizada com a ingestão de água e também complementada com os líquidos citados acima, que ainda ajudam na prevenção da cetose pelo jejum.

Cetonas

As cetonas são substâncias produzidas pelo fígado quando há necessidade de se queimar gorduras para a produção de energia (por ex., quando há falta de insulina no organismo e a glicose não pode entrar na célula para fornecer energia). O seu acúmulo, geralmente, provoca mal-estar, náusea, vômitos, desidratação e cetoacidose. A presença de cetonas no sangue e urina pode ser notada nos casos de deficiência de insulina e também quando há jejum prolongado, especialmente, nos dias em que, por causa de alguma doença, a ingestão alimentar está diminuída. Nesses casos, geralmente, as glicemias tendem a valores mais baixos, enquanto que na deficiência de insulina, ocorre normalmente hiperglicemia persistente.

A dosagem capilar de beta-hidroxibutirato pode ser realizada semelhantemente à medida da glicemia capilar (único glicosímetro no mercado brasileiro: Optium Xceed®). É importante a sua realização especialmente nas situações de hiperglicemia persistente, náuseas, vômitos ou na suspeita de mal funcionamento da bomba de insulina, de forma a se prevenir a instalação de um quadro de cetoacidose. A concentração de beta-hidroxibutirato > 0,5 mmol/L é anormal em crianças com diabetes e já denota a necessidade de alguma intervenção, como hidratação e insulina extra.

Se a dosagem de beta-hidroxibutirato não está disponível, pode-se verificar a presença de corpos cetônicos na urina (cetonúria), através da medida do acetoacetato.

Infecções associadas a hipoglicemia

Geralmente, essas infecções causam náusea, vômitos e diarréia. Assim como no caso de crianças sem diabetes, recomenda-se diminuir as porções de alimentos (que devem ser de fácil digestão) e aumentar a ingestão de pequenas (mas frequentes) porções de líquidos contendo carboidratos (soro de hidratação, sucos de frutas, isotônicos, etc). Deve-se dar atenção para a diurese da criança. Orienta-se sempre o contato direto com o Endocrinologista assistente, pois, via de regra, ajustes na dose de insulina são necessários.

Se houver um episódio hipoglicêmico (glicemia capilar < 70 mg/dL) e os sintomas persistirem (náusea, mal-estar, vômitos), uma injeção de glucagon intramuscular (cuja dose deve ser definida previamente pelo médico) pode reverter a hipoglicemia e permitir que a ingestão alimentar e hídrica seja restabelecida. Caso não haja glucagon disponível e/ou se a hipoglicemia persistir, a família deve procurar atendimento médico de urgência.

Em resumo

– A doença intercorrente merece atenção e tratamento adequados, em crianças com diabetes ou não;

– Deve-se ajustar as doses de insulina conforme orientação médica;

– Se a criança diabética está vomitando, até que se prove o contrário, deve-se suspeitar de deficiência de insulina. Se há suspeita de uma gastroenterite aguda, antieméticos podem ser utilizados. No entanto, se as cetonas estão positivas e há hiperglicemia, a prioridade é a administração extra de insulina e hidratação.

– As formulações orais de antitérmicos podem ser utilizadas; outras opções são as apresentações via retal. Antibióticos na forma de xarope e solução oral não são contraindicados. É preferível formulações sem açúcar na composição (ou cápsulas), porém, nem sempre isso é possível.

– É sempre desejável que a família entre em contato com a equipe de saúde, especialmente se:

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