O diabetes na adolescência

Texto publicado em 09/03/11, na coluna do Dr. Rafael Mantovani, na página da Sociedade Brasileira de Diabetes (www.diabetes.org.br).

A adolescência, segundo definição da Organização Mundial de Saúde, é o período compreendido entre os 10 e 19 anos de idade, época de transição da infância à idade adulta, quando ocorrem mudanças físicas, psicológicas e socioculturais.

Dentre as principais mudanças físicas, pode-se citar o estirão do crescimento, as mudanças na composição corporal e o desenvolvimento sexual, ou puberdade, processo que capacita o indivíduo à reprodução, a partir do desenvolvimento dos
órgãos reprodutores e caracteres sexuais secundários.

O diabetes mellitus tipo 1 tem um pico de incidência na adolescência e, por outro lado, geralmente representa um período de difícil controle da doença, motivo pelo qual é necessário que haja uma abordagem específica e multiprofissional pela equipe de saúde. Alguns estudos indicam que o pior controle metabólico do diabetes na adolescência gera um maior número de internações hospitalares por cetoacidose e uma maior incidência de retinopatia.

A dificuldade de controle da glicemia na adolescência, geralmente maior que na infância e na idade adulta, tende a ser mais evidente em meninas e, com frequência, há um ganho excessivo de peso associado. A dificuldade de controle metabólico nessa época da vida deve-se a vários fatores, tanto fisiológicos quanto psicossociais.

Dentre o primeiro grupo de fatores, encontra-se a diminuição da sensibilidade à insulina, processo fisiológico que ocorre durante a adolescência, sendo significativamente mais acentuado nos adolescentes diabéticos. A origem da maior resistência à insulina nesse período da vida é multifatorial, resultado do aumento da concentração de alguns hormônios, como o hormônio do crescimento (GH), os esteróides sexuais, a insulina e o IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina-1).

No entanto, os fatores psicossociais parecem ser os principais responsáveis pela piora do controle metabólico durante a adolescência. A evolução natural do desenvolvimento psicológico durante essa época da vida, assim como as várias atividades sociais próprias da idade – dentre as quais alguns comportamentos de risco – frequentemente entram em conflito direto com as “exigências” da vida com diabetes. Nesse sentido, a participação da família é extremamente importante, já que o equilíbrio familiar se relaciona significativamente com o controle metabólico.

Alguns pontos específicos que afetam diretamente o tratamento têm grande importância e repercutem de forma decisiva na vida do adolescente com diabetes, como os horários de se alimentar e de dormir, o reconhecimento do diabetes frente aos amigos e os cuidados para se evitar a hipoglicemia durante a prática de exercícios físicos.

Quanto à estratégia para controlar o diabetes na adolescência, citam-se a intervenção farmacológica e o apoio psicossocial.

Do ponto de vista farmacológico, é indicado o tratamento intensivo, com múltiplas doses de insulina ou com o sistema de infusão contínua de insulina (“bomba de insulina”), juntamente com a monitorização frequente da glicemia capilar. Além disso, recomenda-se uma alimentação equilibrada e cuidadosamente planejada, com o objetivo de se obter uma melhora do controle metabólico, sem aumentar o risco de hipoglicemia grave, o que reduz o risco de complicações em longo prazo. Uma opção para algumas situações específicas é o tratamento adjunto com a metformina, medicamento cujo efeito hipoglicemiante deve-se à diminuição da liberação hepática de glicose e do aumento da sensibilidade dos tecidos periféricos à insulina.

A falta de disciplina alimentar pode ser, em parte, controlada com o uso de análogos de insulina de ação lenta (glargina ou detemir), sem os grandes picos de ação da insulina NPH, ou mesmo com o uso da bomba de insulina. Assim, o diabético terá maior liberdade para organizar sua rotina alimentar, como por exemplo, acordar mais tarde nos fins de semana, sem a obrigação de tomar o café-da-manhã no horário predeterminado.

Os planos alimentar e de insulinoterapia devem ser prescritos levando-se em consideração o nível de atividade física do adolescente. Nesse sentido, ressalta-se a importância que a atividade física regular e supervisionada tem, não só para o controle glicêmico, mas para o bem-estar e prevenção de outros fatores de risco cardiovascular. A monitorização glicêmica deve ser individualizada para o tipo de exercício e cuidados devem ser tomados para se evitar eventos hipoglicêmicos durante e após a atividade física (o que pode ocorrer muitas horas depois).

É de grande importância que haja uma boa interação entre o diabético, sua família e a equipe multiprofissional. Além do apoio técnico, nutricional e psicológico, é indispensável que haja um progressivo reconhecimento do adolescente como o sujeito principal do tratamento, com autonomia não só para a monitorização glicêmica e administração de insulina, mas para a vida.

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