A contagem de carboidratos como estratégia nutricional para o exercício físico no diabetes tipo 1

Texto publicado em Dezembro de 2011, na coluna do Dr. Rafael Mantovani, na página da Sociedade Brasileira de Diabetes (www.diabetes.org.br).

A insulinoterapia, o exercício físico e o planejamento alimentar, em conjunto, compõem a abordagem mais completa no tratamento do diabetes mellitus tipo 1 (DM1).

O exercício físico regular é um importante componente no planejamento terapêutico do paciente diabético, por melhorar a sensibilidade insulínica e reduzir fatores de risco cardiovascular, como hipertensão e dislipidemia.

Antes da descoberta da insulina, pessoas com DM1 tinham poucas chances de participarem de programas de exercícios físicos vigorosos. Distúrbios metabólicos incluindo cetoacidose, desidratação grave e complicações musculares eram agravados significativamente pelo exercício. Contudo, após a descoberta da insulina em 1922, alguns pesquisadores passaram a descrever a interação entre esse hormônio e a atividade física regular, com possíveis benefícios no tratamento do diabetes.

Tal como ocorre em pessoas não diabéticas, a prática regular de exercício pode produzir importantes benefícios no curto, médio e longo prazos. Vários estudos têm demonstrado uma consistente melhora do metabolismo dos carboidratos e da sensibilidade à insulina com a prática regular de exercício física. Porém, para se beneficiar de todos esses efeitos positivos, o diabético tipo 1 deve ser capaz de realizar os ajustes necessários na dose de insulina ou na alimentação, de acordo com seu conhecimento das possíveis alterações metabólicas relacionadas a cada atividade.

A crise de hipoglicemia causada pelo exercício em indivíduos com DM1 é uma preocupação tanto para profissionais quanto para os diabéticos e a sua ocorrência é considerada um dos efeitos adversos mais comuns do tratamento. O risco é aumentado caso não se realize a monitorização glicêmica antes, durante e após sua prática, bem como se não houver um ajuste da alimentação e da dose de insulina para a prática esportiva.

Alguns estudos científicos têm identificado fatores que diminuem o risco de hipoglicemia durante o exercício físico: a manutenção da glicemia dentro de limites preestabelecidos, o controle alimentar, o local de aplicação de insulina, o tempo de sua aplicação em relação ao início do exercício e a taxa de absorção de insulina de acordo com a temperatura ambiente.

Controle metabólico antes da atividade física

Antes de iniciar um programa de atividade física, o indivíduo com DM1 deve ser submetido à anamnese clínica, exame físico e exames laboratoriais, objetivando-se avaliar o controle metabólico e diagnosticar a presença ou não de complicações crônicas relacionadas.

Um teste ergométrico é recomendado para todos os indivíduos com DM sedentários ou que apresentem neuropatia e que desejem iniciar atividade física mais intensa do que a sua usual do dia-a-dia.

A monitorização glicêmica é fundamental para possíveis correções, caso haja hipo ou hiperglicemia. Recomenda-se monitorar a glicemia e averiguar se há hiperglicemia (250 mg/dL com cetose ou 300 mg/dL mesmo sem cetose) ou glicemia reduzida (menores que 100 mg/dL). Em ambos os casos, deve-se fazer a correção glicêmica já que representarem fatores de risco para o desenvolvimento de cetose e hipoglicemia, respectivamente.

A faixa glicêmica ideal, ou seja, mais segura, para a prática de exercício físico de intensidade leve seria entre 130 mg/dL e 180mg/dL. Sugere-se ainda que a monitorização glicêmica seja realizada a cada 30 minutos, especialmente se a intensidade do exercício for diferente da habitualmente praticada.

Se o exercício for programado com antecedência, uma estratégia interessante é iniciá-lo aproximadamente 1-3 horas após uma refeição e administração de insulina. A manipulação da dose diária de insulina e o rodízio do local de aplicação da insulina podem ser necessários. Isso pode ser discutido com o Endocrinologista previamente.

Exercício físico x contagem de carboidratos

Desde a publicação do trabalho The Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), quando a contagem de carboidratos ficou mais popular, essa tem sido considerada uma opção interessante para os praticantes de atividade física, principalmente devido à maior flexibilidade que proporciona nas refeições dos indivíduos que a utilizam, além de proporcionar melhor controle glicêmico quando adequadamente realizada. Para tal, algumas recomendações se fazem necessárias, a fim de se evitar episódios de hipoglicemia.

Para os diabéticos em tratamento intensivo (com múltiplas doses de insulina), a contagem de carboidratos será mais uma aliada no combate às hipoglicemias provocadas pelo exercício físico, uma vez que é possível aumentar a quantidade de carboidratos sem alterar-se a dose de insulina relativa à refeição anterior ao exercício físico. No caso de diabéticos com excesso de peso, pode ser preferível reduzir-se a dose de insulina de ação ultrarrápida da refeição anterior à atividade física, sem aumentar-se a ingestão alimentar posteriormente.

Para aqueles em esquema convencional de insulina, recomenda-se apenas adicionar porções de carboidratos à refeição que precede o exercício físico e realizar-se a automonitorização glicêmica durante a atividade. A quantidade e o tipo de carboidrato a ser adicionado deverão ser condicionados à intensidade e ao tempo de duração da atividade física e às variações individuais de sensibilidade.

Vale ressaltar que a quantidade de carboidratos presentes nos alimentos pode ser verificada no rótulo destes ou ainda, em tabelas de contagem de carboidratos.

Conclusões

A intervenção nutricional direcionada às pessoas com DM1 mostra a importância de se integrar a terapia com insulina, o plano alimentar e atividade física no tratamento do diabetes. O ajuste individualizado das doses de insulina à alimentação, aliado à educação em diabetes, é a chave para o adequado controle metabólico. O programa alimentar deve ser personalizado, aliado a esquemas insulínicos flexíveis e, fundamentalmente, ligado à monitoração da glicemia como guia para a tomada de decisões.

É certo que o uso frequente de técnicas de automonitorização glicêmica e a implantação de insulinoterapia intensificada permitem ao diabético tipo 1 desenvolver estratégias e ajustes no consumo de carboidratos e doses de insulina, para poder participar de maneira mais segura de exercícios físicos e se beneficiar de todos os seus aspectos positivos.

Por ser uma patologia crônica, o diabetes afeta várias áreas da vida do indivíduo; e para que não o leve a condições limitantes, há a demanda um cuidado contínuo, que envolve tratamento adequado e individualizado, constantemente reavaliado, junto ao médico, pelo principal protagonista desse tratamento, ou seja, pelo próprio diabético.

Dessa forma, a individualização da terapia nutricional bem como da prescrição do exercício físico são importantes estratégias para melhorar a adesão das pessoas com DM1, o que favorece seu controle metabólico e sua qualidade de vida. A  contagem de carboidratos, por ser um método simples e de fácil acesso, pode beneficiar o paciente no alcance da normoglicemia e evitar episódios de hipoglicemia durante e após o exercício físico.

Juciane Barbosa
Nutricionista
Especialista em Nutrição Clínica e Pediátrica
Fisiologista do Exercício


Rafael M. Mantovani
Endocrinologia Pediátrica
Clínica Mon Petit
www.clinicamonpetit.com.br

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